Viralizou recentemente nas redes sociais um vídeo que mostra um ato humanitário de estudantes de medicina em um centro de saúde de Ipatinga, no Vale do Rio Doce. Nas imagens, com jeito simpático e linguagem simples, Lurdiano Freitas, 29 anos, faz ligações para saber como está o paciente e, depois, até o leva de carro para buscar um exame importante. O ato gentil faz parte do que hoje é um projeto de extensão na Faculdade de Medicina Afya, localizada na cidade.
E esse projeto começou de uma ideia simples: Lurdiano sentia falta do retorno dos pacientes quanto aos exames realizados. “A gente ficava preocupado em saber se o exame tinha saído. Daí, pensamos: e se a gente ligar para ter notícias?”, diz. E foi aí que surgiu o Ligações de Afeto. “São ligações que a gente faz uma semana após a consulta do nosso paciente. E nós seguimos uma metodologia para fazer essas ligações. Essa metodologia vai ser publicada em artigo científico no fim deste mês”, revela.
E esse atendimento não se resume às ligações. Pequenas ações durante o contato com o paciente fazem a diferença. “A gente acredita que não seja só mais um atendimento, mas uma chance da mudança de vida das pessoas”, diz.
Lurdiano conta que aplica diversas metodologias para que o paciente se sinta acolhido. Uma delas é a “regra do um minuto”, que diz que o médico precisa ficar o primeiro minuto de contato com o paciente sem fazer qualquer tipo de anotação, apenas prestando atenção na queixa, olho no olho. “No que eu posso te ajudar hoje? Essa é a pergunta que meu paciente ouve de mim no consultório, e não a pergunta: o que o senhor tem? Consegue ver a diferença?”, indaga.
Outros cuidados que Lurdiano toma é com a linguagem que ele usa com os pacientes. Ele lembra que o paciente precisa se sentir próximo do médico e entender exatamente a mensagem e as orientações que ele está passando. Além da linguagem, o estudante usa ainda métodos para auxiliar o entendimento do paciente quanto aos encaminhamentos, receitas e afins. Um deles é colar adesivos coloridos nos papéis das receitas para orientá-los. “É um receituário criado para que o idoso não se perca durante as medicações”, diz.
História
Quando começou a compartilhar seu dia a dia nas redes sociais, Lurdiano não imaginou que teria tanta repercussão. Aliás, anos atrás ele também não conseguia imaginar onde estaria em 2024. Sua vida mudou muito rápido desde que iniciou na faculdade de medicina, em 2021. Atualmente, ele está no 6º período do curso e trabalha em dois centros de saúde, além do ambulatório da faculdade.
Lurdiano nasceu em uma cidade do interior de Minas
Nascido em uma cidade do interior de Minas Gerais chamada Água Boa, Lurdiano cresceu na roça, ajudando o pai a tocar o gado. Desde pequeno, sonhava ser médico, mas não imaginava que aquela poderia ser uma profissão para pessoas como ele. “Era um sonho tão longe para mim, que era uma pessoa do interior. Meu pai só tem até a quarta série, minha mãe era professora”, relata.
Aos 18 anos, ele trabalhava como CLT e estudava, e tempos depois se formou em Administração. Depois, também chegou a fazer faculdade de Letras (o que ajuda muito nos atendimentos atualmente). Ele fez também um intercâmbio para melhorar o inglês e conseguir um emprego melhor. Antes da pandemia da Covid-19, Lurdiano chegou, inclusive, a abrir uma escola de inglês, mas a crise da pandemia não deixou o negócio ir para frente.
“Eu perdi tudo que eu tinha, perdi todos os meus investimentos. Eu perdi toda esperança na vida. Entrei numa depressão profunda e fiquei muito mal, sabe? E, aí, nesse tempo de recuperação, eu chamo de tempo de recuperação, eu fui buscar aquilo que estava guardado em mim desde quando eu tinha oito anos”, comenta.
E aí, após todo esse percurso, Lurdiano ingressou na faculdade de Medicina. Hoje, além de ter uma ideia transformada em projeto de extensão (ou seja, outros alunos da instituição vão aprender com o projeto), também acumula diversas conquistas na área, como premiações em congressos. Em maio, inclusive, ele embarca para mais um congresso, desta vez internacional, no Colorado, nos Estados Unidos, onde vai apresentar um projeto na área de pediatria. Ele, inclusive, quer ser pediatra.
Lurdiano em atendimento na ala pediátrica
Além disso, o vídeo que viralizou nas redes sociais bateu quase meio milhão de visualizações na plataforma de vídeos TikTok. Por lá, inclusive, o estudante transformou o perfil em um espaço para mostrar que é possível fazer medicina de uma forma mais humana e mais gentil.
Ele compartilha o dia a dia nas redes, mostrando o que faz para que o atendimento seja mais acolhedor. Lurdiano publica vídeos com diálogos com os pacientes e mostra a relação próxima que tenta ter com essas pessoas. Nesses conteúdos, ele toma o cuidado de omitir o nome do paciente ou mesmo a data do atendimento e detalhes da história clínica, para que eles não sejam expostos.
“Eu tenho dois objetivos com os meus vídeos. O primeiro é gravar a minha história. São eles que fazem parte da minha formação, são eles que estão me formando como pessoa acima da minha formação médica. Eu quero olhar para trás, quando eu tiver o meu CRM, e poder falar assim: foram essas pessoas que me formaram o médico que eu sou”, conta. O segundo objetivo, segundo Lurdiano, é incentivar outras pessoas a pensarem na medicina de forma mais humana.
“O atendimento humanizado não se resume às ligações, não se resume a qualquer coisa que tentam colocá-lo dentro de uma caixinha”, rebate. O jovem conta que é possível ter pequenos gestos e humanizar o atendimento mesmo em uma UPA, onde o contato é mais rápido e totalmente diferente de uma unidade de saúde da família.
Para esses atendimentos mais rápidos, uma das ideia que funciona, segundo Lurdiano, é o projeto “recados de afeto”. “É uma caixinha com várias mensagens, salmos, textos positivos que ficam na minha mesa. No fim da consulta, o paciente tira uma uma lembrancinha, que é esse recado, e leva para casa uma mensagem. Eu consigo fazer isso dentro de qualquer lugar, sabe?”, sintetiza